segunda-feira, 6 de setembro de 2010

GABRIEL GARGAM II

Quando o departamento francês de pensões começa a pagar auxílio, e grande auxílio, pode estar certo de que a lesão é genuína. Isto foi o que eles fizeram no caso de Gabriel Gargam, empregado do correio em uma estrada da ferro.
Numa fria tarde de dezembro, o "Expresso Sudoeste de Orléans" desabalava noite adentro entre Bordéus e Angoulême. No carro postal, perto da máquina, os funcionários trabalhavam com presteza e silenciosamente, classificando a correspondência. Gargam trabalhava quieto e ligeiro como os outros. Dentro de poucas horas estaria em casa, chegaria faminto e cansado, esperando pela excelente sopa que sua mãe sempre guardava para ele na grande panela no fogão. Tiraria os sapatos, poria os chinelos, um bom cachimbo, um gole de conhaque, uma olhadela nos jornais, e depois iria para a cama. Assim pensava, separando as cartas, cantarolando uma cançoneta.
De repente, um barulho ensurdecedor. O trem dobrou-se. Madeiras rangendo, lâmpadas quebrando, pessoas gritando, uma ponte caindo no barranco.
Gargam sentiu uma dor lancinante nas costas. - Depois, escuridão.
Quando voltou a si estava num hospital, enfaixado dos pés à cabeça, paralítico da cintura para baixo. Tinha sido esmagado quase mortalmente, sua espinha fora atingida de tal maneira que era inútil qualquer esperança de curá-la. Com o menor movimento vomitava. Tinha que ser alimentado por meio de um tubo, o que lhe causava sofrimentos cruéis. O tubo podia ser inserido apenas uma vez por dia. Sem alimentação, ele foi emagrecendo e enfraquecendo. Feridas com gangrena surgiram de ambos os pés. Seu médico, Dr. Decressac, declarou em sua exposição que a lesão na espinha o levaria à morte.
Os médicos da Estrada de Ferro Orléans e a Repartição Postal fizeram relatórios precisos para o tribunal que julgaria o caso. À vítima foi concedida a vultuosa soma de 6.000 francos de anuidade, o tribunal declarando-o um destroço humano, que necessitaria doravante de pelo menos duas pessoas para cuidar dele dia e noite.
Após vinte meses de hospital estava debilitando-se cada dia que passava.
Já não podia engolir. As feridas dos pés estavam piores, os médicos avisaram a família que sua morte não tardaria.
Gargam era completamente ateu e não ia à igreja há mais de quinze anos. Mas sua mãe era muito religiosa. Por causa de sua insistência ele concordou em fazer uma peregrinação a Lourdes. A jornada, fê-la com muita dificuldade, carregado numa padiola.
Na primeira tarde em Lourdes foi colocado no caminho por onde passava a Procissão do Santíssimo Sacramento. Estava muito fraco, completamente inconsciente, seu aspecto macilento, gélido e azulado. No momento, porém, em que a enfermeira pensou estivesse falecendo, repentinamente abriu os olhos, levantou o corpo apoiando-se nos cotovelos e caiu outra vez, mas fez novo esforço. Desta vez conseguiu ficar em pé. Deu alguns passos atrás do Santíssimo Sacramento, mas estava sem roupas e descalço.
Fizeram-no parar e voltar para sua padiola.
Gargam estava apalermado. Nada que lhe fizessem importava agora. Estava curado. Sua paralisia tinha desaparecido. Ele readquiriu completamente a liberdade de movimentos.
Sua entrada para exame pela Corporação Médica foi dramática. Sessenta médicos, muitos repórteres, crentes e descrentes o envolveram.
Gargam chegou em sua maca, dizem as crônicas, envolto em um roupão. Ficou na nossa frente - um espectro. Os olhos grandes e fixo era as únicas coisas expressivas em seu rosto pálido e sem cor.
A emoção era tão indescritível e o número de curiosos tão grande que tiveram de transferir o exame para o dia seguinte.
Agora Gargam não veio mais em uma maca, estava com um terno novo e andando. As feridas de seus pés, ontem abertas e supurantes, estavam se cicratizando a olhos vistos. Ele andava sem muita dificuldade. Os médicos examinaram-no e fizeram-lhe perguntas durante duas horas.
O exame de raios X mostrou a compressão na vértebra lombar onde a lesão da espinha tinha causado paralisia da parte inferior do corpo. Agora já não mais necessitava do tubo alimentar, comia normalmente.
Em poucos dias seu peso aumentou de 9 quilos, e de quatro polegadas a espessura de sua perna.
Desde o princípio foi de uma paciência extraordinária. Curiosos e repórteres o assediavam. Ele sempre lhes respondeu com calma e nunca mostrou enfado.
A volta de Gargam para o lar foi um acontecimento sensacional. A nova de sua cura espalhou-se por todas as estações da estrada de Orléans.
Ele foi examinado pelo médico do Departamento de Correios, que o mandou voltar ao trabalho.
Este caso teve grande repercussão. Os sessenta médicos que o examinaram em Lourdes foram unânimes: "Esta cura é inexplicável cientificamente".
Podia-se pensar que a direção da Estrada fez esforços para rever a anuidade, mas o que se deu foi o contrário, Gargam é que teve dificuldade em persuadi-los a receber de volta o dinheiro.
Voltou a Lourdes anualmente por muito tempo e trabalhou como maqueiro, servindo-se daqueles mesmos pés que estiveram com gangrena.*
* Ele esteve ali em 1951. Morreu em 1952, com a indade avanaçada de oitenta e três anos.
Cranston, Ruth. O Milagre de Lourdes. São Paulo: Melhoramentos. s.d. pp. 24-26

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